A independência do Brasil foi marcada por bizarros imprevistos, um dos episódios esconde curiosidades que não foram reveladas no quadro de Pedro Américo e nos livros de História
Por Manoelzinho Canafístula
Dom Pedro I morreu de Tuberculose aos 36 anos - Foto: Divulgação
O primeiro Imperador do Brasil deu o grito da
Independência quando ainda era o Príncipe-Regente do Brasil em sete de setembro
de 1822. Sua vida é recontada com fortes boatos, fatos reais e ocasiões
duvidosas. O monarca passou por diversos casos que abalaram a imagem da Família
Imperial Brasileira, entre as histórias se destacam estão a infidelidade e o
alcoolismo, que sempre fizeram parte da vida do Imperador até sua prematura
morte aos 36 anos de idade de tuberculose.
Infidelidade - Casado com a arquiduquesa austríaca Maria
Leopoldina, a relação do monarca com a imperatriz não chegou nem perto de se
assemelhar aos bons costumes propagados por Pedro I; a vida sexual do líder era
publicamente conhecida como movimentada, porém, sem a esposa. Ele chegou a
ostentar cinco amantes simultâneas durante uma complicada gestação da
companheira. Uma amante em especial, tornou-se um símbolo da infidelidade e
humilhação; Domitila de Castro, não apenas acompanhou Pedro I em eventos da
realeza, mas chegou a ser nomeada Marquesa de Santos como um presente do
monarca — ela nunca esteve no litoral paulista e muito menos na cidade de
Santos.
Em dezembro de 1826, Maria Leopoldina sofreu
uma hemorragia após um parto complicado, que também vitimou o bebê e levou a
mãe a óbito. A comoção popular com a figura de mãe coruja da imperatriz piorou
a imagem de Pedro I aos olhos da população brasileira em relação aos problemas
anteriores do casal. A hemorragia chegou a ser relacionada a uma briga do
casal, dias antes, com um boato de que o monarca teria desferido um chute
contra a barriga de Leopoldina, o que nunca foi confirmado por funcionários e
familiares da realeza. Abalado, Pedro I chegou a pedir perdão ao ex-sogro pela
infidelidade e jurou que jamais cometeria tal erro novamente.
A vida Boêmia - Poucos brasileiros sabem que Dom Pedro tinha
um fiel amigo de nome Chalaça, certa vez convidou o príncipe para um passeio
como de costume e neste dia o levou para conhecer a nova casa de modas da Rua
do Ouvidor e lá Dom Pedro começou a beber e ficou por lá em uma noite de orgias
como tantas outras de outros tempos. Segundo o Livro Revelações Inéditas da
História do Brasil, de Roselis Von Sass, somente ao romper do dia, Dom Pedro
foi levado de volta para casa, na Quinta da Boa Vista. O então príncipe regente
passou a viver uma vida de depravação ao lado de seus velhos camaradas de
boemias, sempre instigados por Chalaça.
A vida desbragada do príncipe não ficou muito
tempo oculta, no raiar de um dia ele apareceu bêbado, cambaleando e com o rosto
ensanguentado no dormitório de Leopoldina, as frases desconexas do marido
fizeram com que a princesa entendesse que um marinheiro havia lhe quebrado dois
dentes com um soco. Somente depois Dona Leopoldina ficou sabendo que Dom Pedro
tinha o costume de sair disfarçado e de promover arruaças em espeluncas na
companhia de seus velhos amigos de farra. Foi em uma dessas empreitadas que se
apresentou como o Príncipe Regente em pessoa. Um marinheiro português não
acreditou na história e lhe desferiu um valente soco na boca do jovem e
protestou: “este bêbado tão cedo não há de faltar com o nome do nosso
príncipe”. Desde então o príncipe passou a entrar em um profundo e sombrio
processo de decadência, algumas pessoas mais prudentes diziam que ele era como
um vinho novo, ainda em estado de fermentação e que com o decorrer do tempo
haveria de assentar e tomar juízo, morreu bem antes de tudo isso
acontecer.
Morte do desafeto - Na noite de 20 de novembro de 1830, quando
voltava para casa, o jornalista Líbero Badaró foi abordado por quatro alemães
que o atacaram com um bacamarte — uma espécie de escopeta de cano curto — que o
levou à morte. Dizem que, no leito da morte, bradou “Morre um liberal, mas não
a liberdade”. Líbero era conhecidamente o principal opositor do monarca na
imprensa brasileira. Badaró foi o primeiro caso de um membro da imprensa por
sua atuação na mídia, que foi assassinado. E foram as razões óbvias de eliminação
de um crítico que apontaram à Pedro I como um dos principais suspeitos do
crime, com a teoria de que o jornalista, havia abalado a credibilidade política
a ponto de ter tido o assassinato orquestrado pelo imperador. Mesmo sem nenhuma
prova, o caso foi capaz de polemizar ainda mais a família imperial.
Se por um lado a crítica da população e da
imprensa em relação ao seu governo o deixava enfurecido, Pedro I teve a
oportunidade de colocar a boca no trombone em publicações autorais no Diário
Fluminense. Em textos que ocupavam a primeira página das edições, o monarca
tecia críticas para quem o desagradasse.
Desde membros da Câmara Geral — o parlamento
brasileiro na época — até mesmo outras figuras da imprensa eram alvos de seus
textos inflamados, repletos de atritos e diminuindo a força dos opositores.
Mesmo esbanjando superioridade, os textos do final da década de 1820 já
mostravam sinais de um governo que perdia o controle administrativo do país.
Pressionado após a volta de seu pai, Dom João
VI, a regência portuguesa ordenava o retorno de Pedro a Portugal, de maneira
que o Brasil retornasse ao status de colônia. A polêmica volta era rodeada de
críticos, principalmente das uniões liberais tupiniquins. Buscando amparo, se
uniram ao Partido Brasileiro e demonstraram apoio ao príncipe-regente.
O Fico - Pedro I decidiu ficar e assumiu a monarquia,
mas gerou um conflito com os interesses portugueses, rompendo um vínculo
diplomático que, posteriormente, acarretou na declaração da Independência do
Brasil, em 7 de setembro de 1822, porém, deixou uma marca de situação mal
resolvida durante os anos seguintes da influência portuguesa na política
brasileira.
A independência do Brasil foi marcada por
bizarros imprevistos, um dos episódios esconde curiosidades que não foram
reveladas no quadro de Pedro Américo e nos livros de História. Em meados de
1808, o governo de Dom João VI, então rei de Portugal, era bastante questionado
por aqueles que não concordavam com suas medidas. A pressão, contudo, não
impedia o monarca, que implementou, no mesmo ano, a abertura dos portos às
nações vizinhas e também autorizou o comércio entre o Brasil e a Inglaterra.
A oposição, no entanto, continuou intensa em
1817, ano da Revolução Pernambucana. Na época, diversas pessoas que se voltaram
contra a monarquia portuguesa e decidiram criar uma República independente do
resto do Brasil.
Devido à insatisfação de Portugal sobre as
implementações brasileiras feitas por Dom João VI, o monarca retornou ao país
em 1821. Dessa maneira, Pedro de Alcântara tornou-se príncipe regente e assumiu
o conturbado reinado.
O Grito - Em apenas um ano de governo, ele também teve
que lidar com inúmeras exigências de Portugal, o que fez com que grande parte
da população perdesse o desejo de continuar vinculado ao país. Em agosto de
1822, a corte portuguesa ordenou a volta do príncipe a Portugal. Ao ler a
carta, Maria Leopoldina, esposa de Pedro de Alcântara, tomou a iniciativa de
romper completamente as ligações com os portugueses. Dessa maneira, ela assinou
a declaração de independência no dia 2 de setembro. No entanto, o príncipe
regente só teve contato com a carta cinco dias depois, já que estava em uma
viagem a cidade de Santos a caminho de São Paulo.
No dia sete de setembro, o mensageiro Paulo
Bregaro alcançou os cavalos da realeza. Considerado atualmente como patrono dos
carteiros, entregou a correspondência assinada quando todos estavam às margens
do Rio Ipiranga e, minutos depois, Dom Pedro I gritou "Independência ou morte!",
declarando o desligamento e a emancipação política de Portugal com o Brasil.
No entanto, o que poucos conhecem são as
situações por trás do momento histórico. De acordo com o jornalista Laurentino
Gomes, autor do livro '1822', pouco antes do anúncio, o monarca sofreu de
problemas intestinais que marcaram a declaração da independência. “O destino
cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao
se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30min de sete de setembro de 1822, o
príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor
de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida”, escreveu o
jornalista. De acordo com o escritor, a teoria mais aceita é de que o monarca
havia ingerido algum alimento contaminado no dia anterior, enquanto ele e sua
comitiva estavam em Santos.
“Testemunha dos acontecimentos, o coronel
Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro
barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a
situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares D. Pedro se via
obrigado a apear do animal que o transportava para ‘prover-se’ no denso matagal
que cobria as margens da estrada”, acrescentou.
Gomes também relatou quando o imperador fez
uma parada em Cubatão devido aos problemas intestinais. “O príncipe refugiou-se
na modesta estalagem situada à beira do porto fluvial da cidade. Maria do
Couto, responsável pelo estabelecimento, preparou-lhe um chá de folha de
goiabeira, remédio ancestral usado no Brasil contra diarreia”.
Não obstante, o chá fez com que duas dores
sumissem temporariamente, o que lhe deu ânimo para continuar a viagem e,
posteriormente, declarar a independência do Brasil. Além disso, acredita-se que
a pintura do quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, não condiz com a
verdade. De acordo com os historiadores, o imperador não estava montado em um
cavalo, e sim em uma mula.
Quando o pintor acadêmico Pedro Américo
recebeu a encomenda da família real, ele abusou de licença poética. Exceto pelo
imperador brandindo sua espada e gritando, tudo no colossal Independência ou
Morte é invenção do artista.
Américo transformou uma cena trivial e
provavelmente bem feia num épico de batalha - colocando um regimento inteiro
vestido em uniformes de gala, prestes a combater, alguns até em posição de combate,
com seus cavalos em movimento. Era certamente a forma como a monarquia
brasileira, invicta nas guerras que havia travado até então, preferia ser
representada.
Mas, como o quadro, era mais pompa e
circunstância que realidade: no ano seguinte à conclusão da obra, o imperador
seria deposto num golpe militar. O Museu da Independência (Museu Paulista),
para o qual havia sido encomendado, só seria aberto em 1895, já durante a
República. Atualmente o Museu está fechado para reforma e ampliação e será reaberto
em sete de setembro de 2022 em comemoração aos 200 anos da independência. Ainda
que o quadro certamente não retrate a vida real, ele é verdadeiro de certa
forma. O que dom Pedro fez, seja lá como se sentisse dos intestinos, foi
realmente um gesto heroico: ao ouvir que a monarquia portuguesa o havia tirado
do cargo de regente do Brasil, ele imediatamente declarou guerra.
Lendas e Boatos - Uma lenda popular conta que a imperatriz
estava grávida quando um aborto — fruto da violência do monarca — teria
ocorrido. Mas, não foi exatamente isso que aconteceu. Todos eram testemunhas
que Dom Pedro I abertamente traía Dona Leopoldina com Domitila de Castro e
outras mulheres. Teve filhos com a principal amante e os assumiu publicamente.
A imperatriz, por sua vez, se queixava contra o imperador em cartas que redigia
à irmã, Maria Luiza, da Áustria. Em uma delas, diz até que o marido tinha um
"caráter extremamente exaltado".
Despojos Real - A explicação para isso estava em São Paulo,
na Cripta Imperial, do Ipiranga, localizada no Monumento da Independência, onde
jazem os restos mortais da imperatriz. A pesquisadora Valdirene Ambiel, em
parceria com vários especialistas e instituições, foi quem estudou os despojos
de Leopoldina, assim como os de Dom Pedro I, e a segunda esposa dele, Dona
Amélia. O estudo fez parte da dissertação de mestrado da pesquisadora, do Museu
de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).
Entre muitas revelações surpreendentes, a
pesquisa mostrou que Leopoldina não foi empurrada da escada. Nem tampouco
morreu do resultado desse suposto episódio de brutalidade. Na realidade, o
óbito dela foi causado pela evolução de um quadro infeccioso: não havia indício
de fratura ou "trauma muito violento". Curiosamente, o estudo comenta
também que um procedimento obstétrico realizado pelo Circurgião-Mor do Império
pode ter piorado a saúde da soberana, levando a uma possível infecção uterina
ou puerperal. Isso porque, na época, a higiene na obstetrícia ainda não havia
sido estabelecida ou transformada pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis — aquele
que defendia o hábito de lavar as mãos, mas acabou sendo perseguido e internado
em um manicômio. Com a pandemia do novo Coronavírus, lavar as mãos ou fazer
assepsia com álcool em gel, virou rotina na vida da população do mundo todo.
Como fruto da colaboração do médico legista
Luiz Roberto Fontes, a pesquisa incluiu o estudo de boletins médicos dos
Arquivos do Museu Imperial, em Petrópolis; como também um artigo do médico Dr.
Odorino Breda Filho, de 1972, da revista do Instituto Histórico Geográfico de
São Paulo. O médico por sua vez, apurou que a imperatriz sofria de "dores
de cadeiras" e "evacuações mucosa-sanguínea pela via anterior".
Ou seja, podemos dizer que Leopoldina sofreu bastante nos seus últimos momentos.
Tais sintomas eram os de um quadro de ameaça de aborto. Esse que, de fato
ocorreu — porém de causas espontâneas. Até porque as datas não batem para que o
incidente fosse fruto de violência de Dom Pedro I. Segundo Ambiel, o aborto
ocorreu em 2 de dezembro de 1826; alguns dias antes, porém, o monarca havia
saído do Rio de Janeiro, com destino a Cisplatina, no Uruguai, em 23 de
novembro de 1826. Ou seja, a perda do bebê ocorreu na ausência de Dom Pedro.
Além disso, Leopoldina estava no terceiro mês
de gravidez. Nesse caso, segundo a pesquisa, se um empurrão tivesse realmente
causado a perda do bebê, o golpe teria que ter sido aplicado com uma força
muito violenta, que resultaria em trauma e até em hemorragia. Então, a
imperatriz podia ter morrido até em uma questão de horas — o que de fato não
aconteceu. Desmistificando ainda mais a lenda do empurrão, a arqueóloga
Valdirene Ambiel explicou que, no caso de agressão, a morte do neném também
teria que ter ocorrido antes. "Se houvesse um ato de violência praticado
por D. Pedro, o óbito do feto seria anterior ao abortamento", explicou.
Entretanto, ela abre um, porém. O que foi
estudado foi o episódio do empurrão: portanto, isso não descarta a
possibilidade da dama ter sido maltratada pelo cônjuge em outros acontecimentos.
"Como sempre falo, não posso afirmar que D. Pedro nunca praticou violência
física contra a esposa, mas podemos dizer que esta violência não causou a morte
de D. Leopoldina", ponderou a arqueóloga.