Há indícios de que as candidatas integraram as chapas de vereadores apenas para cumprir a cota de gênero, sem fazer campanha de fato, na região há os casos de Acaraú, Santana do Acaraú, Granja e Martinópole
Com Informações de Luana Barros/DN
Promotores eleitorais e partidos políticos ajuizaram ações por fraude à cota de gênero em, pelo menos, 12 municípios cearenses - Foto: Fabiane de Paula
O Ministério Público Eleitoral (MPE) ajuizou, pelo
menos, 16 ações por fraude à cota de gênero nas eleições de 2020 para vereador (a)
no Ceará. Os processos investigam indícios de que partidos apresentaram
candidaturas de mulheres apenas para cumprirem a legislação, mas não houve
participação efetiva na campanha eleitoral. Os processos podem alterar a
composição de 12 Câmaras Municipais no Estado, além de outras duas cujos
partidos políticos entraram com ações judiciais como em Acaraú e Santana do
Acaraú na região noroeste do estado.
Uma das ações ajuizadas pelo MPE é contra a chapa
de vereadores do PSD em Croatá (na região da Ibiapaba). O Tribunal Regional
Eleitoral do Ceará confirmou, no dia 5 de maio, a sentença da primeira
instância e cassou os suplentes e um vereador eleito pelo partido ao
legislativo municipal. Ainda cabe recurso.
Nas investigações, promotores eleitorais apontaram
indícios de que, embora existam no papel, as candidaturas femininas não foram
efetivadas. A ausência de campanha eleitoral nas redes sociais e os poucos
votos recebidos indicam a possibilidade de fraude.
"O MPE tem aberto investigação, tem realizado
inúmeras diligências, inclusive a partir da análise da prestação de contas
encaminhada à Justiça Eleitoral".
A decisão de cassar a chapa inteira de candidatos a
vereador em Croatá é inédita no Ceará, mas já ocorreu em outros estados
brasileiros. Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral cassou chapa de vereadores
de Valência, no Piauí, ao serem confirmadas as candidaturas fictícias.
"Em caso de comprovação da fraude, pode
ensejar a cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos
apresentados pelo partido investigado", completa Sousa.
"CANDIDATURAS
FANTASMAS"
Além de Croatá, outras ações foram ajuizadas por
promotores eleitorais pedindo a cassação por fraude à cota de gênero.
Em Russas, foram identificados indícios de
candidaturas femininas fictícias em quatro partidos: Cidadania, PT, PV e PP.
Segundo o promotor eleitoral Gleydson Pereira, foram identificadas, pelo menos,
sete "candidaturas fantasmas" de mulheres.
"A maioria foi convidada por algum dirigente,
que não ofereceu nada para elas concorrerem", explica. "Em
depoimento, duas confirmaram, inclusive, que fizeram apenas para ajudar (os
partidos)".
Dentre as sete candidaturas acusadas pelo MPE de
serem fictícias, quatro teriam desistido extra-oficialmente, segundo o
promotor, poucos dias depois da convenção partidária - reunião na qual se
confirma as candidaturas de cada legenda.
"Inclusive, duas passaram a apoiar outro
candidato, o que também é um indício (de fraude)", cita Gleydson Pereira.
Dentre as outras três, uma delas teve dois votos, enquanto as outras obtiveram
apenas três, informa o promotor.
Outros indícios incluem a falta de participação em
programas de rádio e em reuniões partidárias, além da ausência de gastos na
prestação de contas da campanha eleitoral. Os processos pedem a nulidade de
todos os votos recebidos pelos quatro partidos - o que levaria os vereadores eleitos
pelas legendas a perderem o mandato.
Sede do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará
(TRE-CE) - O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará
cassou chapa de vereadores por fraude a cota de gênero - Foto: Fabiane de Paula
Caso os pedidos do MPE sejam aceitos pela Justiça
Eleitoral, sete parlamentares podem deixar o mandato - de um total de 15
vereadores eleitos para a Câmara Municipal de Russas.
Os processos ainda aguardam decisão da primeira
instância da Justiça.
Indagados sobre as ações, o diretório estadual do
Cidadania informou que ainda não tinha conhecimento do processo. Já PT e PP não
responderam até a publicação desta reportagem.
O presidente do diretório estadual do PV, Marcelo
Lima, informou que a legenda está acompanhando o processo em Russas e já
apresentou defesa. Ele ressaltou que a candidata "não recebeu
recursos" e que apenas "não houve má intenção" na apresentação
da candidatura pelo diretório municipal do partido. Segundo ele, a candidata
"não assumiu" a candidatura.
INDÍCIOS DE CANDIDATURAS
FICTÍCIAS
Mauriti é o segundo município cearense com mais
ações ajuizadas por fraude à cota de gênero: são três investigações aguardando
decisão judicial. Os partidos alvos dessa ação são Pros, DEM e PDT. Todas
tramitam na primeira instância.
O promotor eleitoral Leonardo Marinho, que responde
pela Promotoria Eleitoral de Mauriti, explica que as fiscalizações em torno das
candidaturas femininas fictícias têm sido intensificadas.
"Nessa eleição foi mais intenso por conta da
repercussão e pela necessidade de fiscalizar a cota de gênero", afirma.
Ele cita alguns indícios de fraude encontrados.
"Em algumas candidaturas, não havia solidez na
proposta, não havia uma campanha realizada por essas mulheres. A gente entendeu
que elas figuraram como candidatas para o partido preencher a cota que por lei
é obrigatória".
LEONARDO MARINHO - Promotor eleitoral
Assim como nas ações em andamento em outras cidades
cearenses, a sentença pode repercutir em todos os candidatos eleitos pelos
partidos - independentemente se tinham ou não ciência da fraude à cota.
Contudo, as ações ajuizadas pela Promotoria de
Mauriti ainda não caminharam. "Não tem juiz titular, assim como não tem
promotor titular, então não teve tempo hábil para julgar", explica.
O Diário do Nordeste entrou em contato com os
partidos citados nas ações judiciais.
O presidente do diretório municipal do Pros em
Mauriti, Felizardo Barbosa, informou que a candidata citada no processo
participou de atividades de campanha do partido e desistiu poucos dias antes do
dia da votação, não deixando tempo hábil para que o partido pudesse fazer a
substituição.
"A gente não pode fazer nada, não tem uma lei
que obrigue a pessoa a ir até o fim da campanha", argumentou. Segundo ele,
a candidata não recebeu recursos do Fundo Partidário - assim como os outros
candidatos do partido no município. Por conta disso e de problemas pessoais,
preferiu desistir da candidatura.
O diretório estadual do Pros informou que irá abrir
sindicância para apurar os fatos e, se necessário, "expulsar dos
quadros".
Não houve resposta, até a publicação desta
reportagem, dos partidos DEM e PDT.
TRAMITAÇÃO DOS
PROCESSOS
Croatá foi o único município a ter sentença
proferida na primeira instância, além do julgamento de recurso no Tribunal
Regional Eleitoral do Ceará - segunda instância da Justiça Eleitoral.
Por enquanto, as outras ações continuam aguardando
decisão nas Zonas Eleitorais. Além de Russas e Mauriti, outras nove cidades têm
investigações por suspeita de candidaturas femininas fictícias.
Em Senador Pompeu, Granja, Martinópole, Nova
Russas, Baturité e Ocara foram ajuizadas Ações de Investigação Judicial
Eleitoral (AIJE).
Já nos casos de Granjeiro, Itapajé e Barbalha foram
apresentadas Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) - nestes casos, os
processos correm em segredo de Justiça.
Além disso, em Ararendá, dois processos por fraude
à cota de gênero foram arquivados, após serem julgadas improcedentes.
Acaraú - Em Acaraú, no litoral oeste do estado, há uma ação semelhante
sendo investigada na 30ª Zona Eleitoral. A Ação de Investigação Judicial
Eleitoral, foi movida em desfavor do Partido Socialista Brasileiro (PSB) de
Acaraú, mesmo partido da prefeita eleita Ana Flávia Ribeiro Monteiro, a chapa
foi denunciada por suposta fraude eleitoral por candidatura fictícia para
cumprir o percentual mínimo legal de 30% da cota mínima por gênero. Segundo a denúncia,
as candidatas Maria de Fátima Vasconcelos e Maria Lizete, ambas do PSB, não
receberam se quer o próprio voto. Nas redes sociais (facebook) de uma das
candidatas não há divulgação de nenhum material de campanha, no entanto, há
publicações de outros candidatos ao cargo de vereador e compartilhadas pela
candidata, além disso, não houve registro de nenhuma despesa de campanha da
referida candidata.
Santana do Acaraú – O Diretório do PT de Santana do Acaraú ingressou com uma ação
contra o PTB, segundo a agremiação partidária a candidata Ana Paula (PTB) tirou
apenas dois votos e não fez campanha e não realizou despesas bancarias, o
processo está em andamento na 44ª Zona Eleitoral do Município e haverá uma audiência na próxima semana.
EXIGÊNCIA DA COTA
DE GÊNERO
Ações afirmativas para diminuir a desigualdade
entre homens e mulheres na disputa para cargos eletivos existem desde a década
de 1990.
Contudo, a cota de gênero em vigência atualmente
foi instituída por modificação na Lei das Eleições, aprovada em 2009. O texto
da lei torna obrigatório o preenchimento de 30% das vagas reservadas ao gênero
minoritário - em geral, representado por candidaturas femininas.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF), em
2018, também determinou a destinação de, no mínimo, 30% dos recursos do fundo
destinados às campanhas à candidatura de mulheres. A regra passou a valer na
disputa eleitoral do mesmo ano.
Nos últimos anos, o Tribunal Superior Eleitoral tem
aumentado a fiscalização não apenas de candidaturas laranjas, na qual há
repasses de recursos de maneira irregular, como também de candidatas fictícias
- apresentadas pelos partidos apenas para cumprir a formalidade exigida pela
legislação.
Desde o julgamento do TSE que resultou na cassação
de toda a coligação pela comprovação de cinco candidaturas fictícias de
mulheres à Câmara de Vereadores de Valença (PI), outras decisões semelhantes
ocorreram pelo País.
Mesmo inédita no Ceará, a decisão de cassar toda a
chapa de candidatos a vereador pelo PSD em Croatá acompanha julgamentos
realizados em outros Tribunais brasileiros, afirma a professora de Direito
Eleitoral na Universidade Federal do Ceará, Raquel Machado.
"É muito melhor para o partido investir, no
momento da apresentação das candidaturas, em candidatas adequadas do que
apresentar candidaturas fraudulentas e ganhar a eleição com o risco de, logo
após, perder o mandato e, certamente, com uma perda de capital eleitoral"
RAQUEL MACHADO - Professora de Direito Eleitoral
Apesar disso, ela considera que deve haver um
impacto da sentença no Estado. "Agora, partidos políticos e candidatos
ficarão mais atentos no momento de apresentar candidaturas", aponta.