O
ex-presidente deixou a carceragem da PF em Curitiba por volta de 5h40
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi solto na tarde desta sexta-feira
(8), após 580 dias preso na sede da Superintendência da Polícia Federal do
Paraná, em Curitiba.
A
soltura do ex-presidente ocorreu um dia após o Supremo Tribunal Federal ter
decidido, por 6 votos a 5, que um condenado só pode ser preso após o trânsito
em julgado (o fim dos recursos), Isso alterou a jurisprudência que, desde 2016,
tem permitido a prisão logo após a condenação em segunda instância.
"Vocês
não têm dimensão do significado de eu estar aqui junto com vocês. A vida
inteira tive conversando com o povo brasileiro, eu não pensei que, no dia de
hoje, eu poderia estar aqui conversando com homens e mulheres que durante 580
dias gritaram 'bom dia, Lula', 'boa tarde, Lula', 'boa noite, Lula', debaixo de
sol e chuva. Vocês são o alimento da democracia", disse Lula no primeiro
discurso público após deixar a prisão, na frente da sede da Polícia Federal em
Curitiba.
A
decisão do Supremo, uma das mais esperadas dos últimos anos, tem potencial de
beneficiar cerca de 5.000 presos, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O Brasil tem, no total, aproximadamente 800 mil presos.
A
soltura foi determinada pelo juiz federal Danilo Pereira Junior. A decisão foi
publicada às 16h15.
Lula
estava preso desde o dia 7 abril de 2018 em uma cela especial da
Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local mede 15 metros
quadrados, tem banheiro e fica isolado no último andar do prédio. Ele não teve
contato com outros presos, que vivem na carceragem, no primeiro andar.
A pena
de Lula foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em 8 anos, 10 meses e 20
dias. O petista foi condenado sob a acusação de aceitar a propriedade de um
tríplex, em Guarujá, como propina paga pela OAS em troca de três contratos com
a Petrobras, o que ele sempre negou.
O caso
ainda tem recursos finais pendentes nessa instância antes de ser remetido para
o STF. O Supremo, porém, pode anular todo o processo sob argumento de que o
juiz responsável pela condenação, Sergio Moro, não tinha a imparcialidade
necessária para julgar o petista naquela situação. Mas ainda não há data
marcada para que esse pedido seja analisado.
Além
do caso tríplex, Lula foi condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses
de prisão por corrupção e lavagem no caso do sítio de Atibaia (SP). Essa
condenação também pode ser anulada porque a defesa apresentou suas
considerações finais no processo no mesmo prazo de réus delatores.
O
ex-presidente ainda é réu em outros processos na Justiça Federal em São Paulo,
Curitiba e Brasília. Com exceção de um dos casos, relativo à Odebrecht no
Paraná, as demais ações não têm perspectiva de serem sentenciadas em breve.
Na
prisão, o ex-presidente enfrentou três perdas: a morte do amigo Sigmaringa
Seixas, advogado e ex-deputado petista, do irmão mais velho, Genival Inácio da
Silva, o Vavá, e de Arthur, 7, seu neto.
No caso de Vavá, o petista se manteve firme, apesar do luto e da novela que se
transformou o pedido de autorização para que ele fosse ao velório do irmão,
vitimado por um câncer. A juíza Carolina Lebbos, que regula o cumprimento da
pena de Lula, negou o pedido. Quando o presidente do STF, Dias Toffoli, deu a
autorização, o corpo estava prestes a ser sepultado. Lula não se despediu do
irmão morto.
No
caso de Arthur, a autorização a Lula foi dada no mesmo dia e ele embarcou em
direção a São Paulo.
Na PF, o dormitório, antes usado por policiais em viagem, não tinha grades e se
resumia a banheiro, armário, mesa com quatro cadeiras, esteira ergométrica e um
aparelho de TV com entrada USB e que só sintoniza canais abertos.
Durante
a semana, na parte da manhã, conversava por uma hora com o advogado Luiz Carlos
da Rocha, o Rochinha. Na parte da tarde, falava com Manoel Caetano pelo mesmo
período. Todo o resto do tempo permanecia isolado dentro do quarto.
Foto:
AFP
Às
quintas-feiras recebia parentes, à tarde, e dois amigos, geralmente políticos,
pela manhã. Ele saia três vezes por semana para o banho de sol. Circulava num
pequeno espaço de 40 metros quadrados onde antes funcionava um fumódromo, no
terceiro andar.
Até
janeiro, Lula recebia líderes religiosos, mas a juíza Carolina Lebbos proibiu
esses encontros, apesar de a Lei de Execução Penal prever o direito à
assistência religiosa. No lugar haveria uma consulta com um capelão da própria
PF, mas isso não aconteceu.
Lula
acordava sempre antes 7h. Ouvia o "bom dia, presidente", gritado por
militantes do acampamento Lula Livre, que fica num terreno em frente à PF. Às
8h, o agente Chastalo destrancava a porta do quarto. Invariavelmente encontra
Lula vestido com uma camisa do PT ou do Corinthians.
Três
vezes por semana o agente media o índice de glicemia no sangue do
ex-presidente, que é pré-diabético. O glicosímetro que Chastalo usa, uma
maquininha dessas de furar o dedo e que é vendida em farmácias, foi dado pelos familiares
do petista.
Na
prisão, andava na esteira quase todo dia e ganhava elásticos de ginástica para
fortalecer braços e pernas. Lula tinha na cabeça sequências de exercícios que
seu personal trainer, Márcio, passava quando estava livre. Mas contava com
dicas dos agentes quando faz algo errado. Quando algum deles via que ele fazia
um movimento repetitivo que pode causar uma lesão, trata de corrigir os
movimentos e a postura do petista.
Nas
eleições do ano passado, a cela virou escritório político. O presidenciável
Fernando Haddad e outros petistas com diploma de advogado, como o ex-deputado
Wadih Damous e o ex-prefeito de Osasco Emídio de Souza, receberam procuração
para defendê-lo em seus processos. Com isso, podiam encontrá-lo fora dos dias
de visita a pretexto de cuidar de sua defesa.
Lula
sentava-se à mesa com os petistas e discutia estratégias. Animou-se com as
chances de Haddad depois dos protestos "Ele não" pelo país. Achava
que a rejeição de Jair Bolsonaro (PSL) poderia crescer, e a do PT ir no sentido
contrário.
No
segundo turno, porém, Lula desanimou quando soube que os marqueteiros petistas
haviam decidido descolar a imagem de Haddad da dele. Não houve mais encontros
com o presidenciável, e ele viu pela televisão a candidatura de Haddad naufragar.