Oito prefeitos eleitos lidam com questões na Justiça. Enquanto isso, a maioria desses municípios está sendo gerida por políticos que foram eleitos para o Legislativo, mas acabaram herdando o Poder Executivo
por: Flávio Rovere/Diário do Nordeste
Diante de instabilidade em municípios, eleitores podem ter de voltar às
urnas - Foto: Fabiane de Paula
Início de ano é, para as administrações municipais, momento de organizar
a casa, acomodar metas à realidade orçamentária e começar a colocar em prática
os planos de governo. Porém, oito municípios cearenses ainda vivem sob impasse
provocado pela eleição de candidatos considerados inelegíveis pela Justiça
Eleitoral, seis deles sendo comandados pelos presidentes das Câmaras.
Aos interinos, se apresentam problemas que vão do despreparo para
assumir função diferente daquela para a qual foram eleitos, disputas políticas
em cenário indefinido e descrédito da população ao não ter o voto validado na
prática.
Dos oito municípios, apenas Viçosa do Ceará e Pacajus têm, até então, o
resultado das urnas confirmado na Prefeitura. No município da Serra da
Ibiapaba, Zé Firmino (MDB) se mantém no poder enquanto tramitam recursos na 2ª
instância eleitoral. O TRE-CE já decidiu, neste mês, manter a cassação de seu
registro de candidatura, confirmando decisão do juiz eleitoral da 35ª Zona.
Viçosa do Ceará
Em Viçosa do Ceará, prefeito e vice permanecem no cargo - Foto: Divulgação
Em Pacajus, a chapa vencedora das eleições teve os diplomas cassados já
com o mandato em exercício. Na quarta-feira (17), o juiz da 49ª Zona Eleitoral
cassou o mandato do prefeito de Pacajus, Bruno Figueiredo (PDT) e de seu vice,
Francisco Fagner (DEM), por abuso de poder político durante a campanha.
Pacajus
Em Pacajus, Bruno Figueiredo (PDT) e o vice, Francisco Fagner
(DEM), foram cassados -Foto: Divulgação
Em Barreira, Missão Velha, Pedra Branca, Jaguaruana, Martinópole e
Caridade, os imbróglios são mais antigos, e os casos já chegaram ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Porém, ainda não há previsão de eleições
suplementares, que só poderão serão convocadas após decisão definitiva sobre os
registros de candidatura. Enquanto isso, problemas se acumulam.
Sai interino, entra interino
Em Barreira, o comando da Prefeitura aponta para certa instabilidade
entre as forças políticas. O município já está no segundo prefeito interino.
Mácio Gley, o Chaveirinho (PT), assumiu depois de João Carlos do Sindicato
(PSD) renunciar à presidência da Câmara Municipal no último dia 3.
Barreira
Em Barreira, João Carlos renunciou ao cargo para que o
presidente da Câmara Municipal, vereador Marcio Gley Nascimento, o Chaveirinho,
pudesse assumir - Foto: Reprodução
Chaveirinho se elegeu na coligação do ex-prefeito Alailson Saldanha
(PT), que não conseguiu a reeleição nas urnas. João Carlos, por sua vez, é do
PSD de Dra. Auxiliadora, prefeita eleita, mas não diplomada e empossada por ter
tido registro de candidatura indeferido por unanimidade pelo TRE-CE, devido a
atos de improbidade praticados quando era secretária da Saúde.
Chaveirinho reconhece ter se aproximado do grupo político de
Auxiliadora, mesmo tendo sido o seu partido, o PT, responsável pelo recurso que
acabou levando ao indeferimento do registro de candidatura dela, que, mesmo
inelegível, saiu das urnas com capital político fortalecido pelo voto. “O
ex-prefeito não me deu o vice na Câmara, o outro grupo me confiou o vice na
Câmara, aí votei no João Carlos”, disse o prefeito interino.
O prefeito provisório reconhece que tem se aconselhado com gestores
próximos, como Júnior Castro (PSD), prefeito de Chorozinho e presidente da
Aprece (Associação dos Municípios do Estado do Ceará), e confia na manutenção
de boa parte da equipe de João Carlos. “Eu continuei com a equipe dele,
justamente para não atrasar o município. Troquei só o tesoureiro e o chefe de
gabinete”, afirmou.
Tanto Chaveirinho como João Carlos contestam a análise de que a mudança
no início de fevereiro tenha sido fruto de desgaste na disputa por cargos ou
acordo entre os parlamentares.
“Era um acordo entre mim, minha esposa e Deus e o meu pastor. Todo mundo
sabia que eu ia ficar só para organizar a casa, e, depois de organizada nesses
30 dias, eu ia sair”, afirmou João Carlos, que admitiu dificuldades para
exercer as funções.
“Eu peguei uma tarefa que não era a minha, mas mesmo assim eu organizei
e entreguei organizado. Agora, em relação a essa questão insustentável, você
sabe que o município está sofrendo, lógico, né? Quem ganhou foi a Dra.
Auxiliadora. Então, queira ou não queira, qualquer vereador que assuma tem
dificuldades, lógico”, reconhece.
Por Alessandra Castro
Justiça Eleitoral indefere registro de candidatura de prefeita eleita em
Barreira; cabe recurso
O Pleno do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) decidiu, nesta
terça-feira (2), por unanimidade, indeferir o registro de candidatura da
prefeita eleita em Barreira, Dra. Auxiliadora Fechine (PSD), por contas
desaprovadas da gestão pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ela foi
secretária do município em gestões anteriores. Ainda cabe recurso.
Problemas na gestão
Em Martinópole, o prefeito interino também relata dificuldades. Betão
Souza (PP), presidente da Câmara, ocupa a cadeira para a qual foi eleito o
aliado James Bel (PP), impedido de assumir pela Justiça por abandono de emprego
público como professor do município. Betão reclama da herança deixada por
Júnior Fontenele (PSD), rival político de James.
“A principal dificuldade é que o município tem muita dívida. A folha de
pagamento do mês de dezembro, o prefeito anterior não pagou e deixou para eu
pagar, e não deixou dinheiro em conta. Com a Enel, tem uma dívida de 169 mil
reais. Da Cagece, mais 19 mil e tanto. Do INSS tem uma conta de quase 500 mil
reais”, lamenta.
As limitações orçamentárias se agravam quando se tratam dos recursos
relativos à pandemia. “Na conta da Covid, ele deixou 15 mil reais, gastou todo
o dinheiro que veio para o coronavírus, que era quase 2 milhões e 700 mil que
entraram no município. A maior dificuldade é a saúde, né? Não tenho como arcar
com bonificações dos servidores públicos da saúde, porque não tenho recurso”,
admite Betão, que aponta "meia dúzia de opositores” tentando tumultuar a
gestão, mas se mostra confiante para eventual eleição suplementar.
“A gente já ganhou uma eleição. O povo já mostrou que não quer o
ex-prefeito, e a expectativa é de a gente ganhar a eleição de novo”, projeta.
A reportagem entrou em contato com o ex-prefeito de Martinópole Júnior
Fontenele e aguarda posicionamento oficial sobre as acusações do atual gestor.
No primeiro contato, limitou-se a dizer que "Martinópole passa por um
período político muito crítico em que a politicagem e o disse me disse só vem
trazendo prejuízos para a população".
Disputas, desgastes e prioridades
A cientista política Monalisa Torres aponta problemas provocados pelo
quadro de indefinição, que vão desde a desconfiança popular na administração e
no sistema político em geral até disputas de poder que acabam ocorrendo em
detrimento de prioridades do município e seus cidadãos.
“Quando você não tem essa figura de referência (o prefeito eleito), os
vereadores na Câmara acabam disputando esse lugar e aí você vê essa
instabilidade. Um ponto que devemos considerar é que estamos em um momento de
pandemia seriíssimo, e os vereadores perdem tempo se dedicam muito mais a essas
brigas para fortalecer o seu grupo político e acabam deixando de lado ou não priorizando
questões primordiais”, analisa.
O processo de desgaste, segundo Monalisa, se estende ao processo
democrático em si.
“Ainda que o candidato concorra de forma irregular, o eleitor foi às
urnas, o eleitor fez campanha. Não estou aqui considerando como essas campanhas
foram feitas, mas o fato é que foram candidatos vitoriosos que, em determinado
momento, depois da vitória, depois de todo o processo eleitoral, a Justiça
questiona a validade e anula os votos dessas pessoas.Então, isso gera uma
instabilidade política tremenda nesses municípios. Inclusive uma revolta por
parte de alguns eleitores, que não veem o seu direito de escolha ser
respeitado”, pontua.
Juiz eleitoral cassa mandato de prefeito e vice de Pacajus por abuso de
poder político; cabe recurso
A cientista política também atribui responsabilidade aos partidos pela
recorrência da problemática. “Para além da letargia do Judiciário, tem a
questão da oferta das candidaturas. Os partidos em si personalizam demais a
política e os candidatos, e acabam ofertando esse tipo de candidatura, que pode
ser invalidada. No final das contas, é a população que sai prejudicada”,
lamenta.
Responsabilidade e soluções
Advogada especialista em Direito Eleitoral, Isabel Mota não vê a
situação sob responsabilidade da Justiça Eleitoral, que, segundo ela, acaba
pagando por “desarmonias” do sistema político, de forma mais ampla.
“A Justiça Eleitoral faz a análise de quem pode e quem não pode ser
candidato. Agora, os fatos que podem gerar a inelegibilidade muitas vezes não
são casos eleitorais, como é o caso, por exemplo, dessa questão da rejeição de
contas. É um caso que não corre no âmbito eleitoral e que, portanto, a Justiça
Eleitoral só faz ver se aquela hipótese em que a pessoa se enquadra está ali na
Lei 64/90 (Lei de Inelegibilidade). Se estiver, é inelegível. Se não estiver,
não é”, argumenta.
A advogada vê como legítimo o direito a fazer campanha e manter
candidatura mesmo sub-judice, mas defende uma mudança, que, segundo ela,
poderia amenizar os impasses e fazer com que a Justiça Eleitoral “parecesse
menos negligente”: a antecipação das análises de registros.
“Se a gente conseguisse fazer essa fase de análise do registro de
candidatura anteriormente à campanha, como um pré-registro, uma fase de
habilitação; se a gente adequasse o calendário eleitoral e fizesse isso antes
das convenções, antes do período propriamente eleitoral, para quem pretendesse
ser candidato futuramente, quando fosse ainda pré-candidato, não ia resolver,
mas ia facilitar bastante”, pondera.
Recursos e eleições suplementares
Por meio de uma portaria, o TSE definiu 10 datas ao longo de 2021 nas
quais os Tribunais Regionais Eleitorais de todo o País poderão marcar eleições
suplementares, tão logo se esgotem os recursos na última instância e a decisão
sobre a inelegibilidade seja definitiva. Os dias possíveis são 7 de março, 11
de abril, 2 de maio, 13 de junho, 4 de julho, 1º de agosto, 12 de setembro, 3
de outubro, 7 de novembro e 5 de dezembro.
No Ceará, apenas o município de Caridade já tem decisão do TSE
determinando a realização de um novo pleito. Em dezembro, a Corte manteve a
inelegibilidade de Simone Tavares (PDT), devido à reprovação de suas contas de
gestão como secretária municipal da Saúde pelo extinto Tribunal de Contas dos
Municípios (TCM), por ter realizado compras de medicamentos sem licitação e
atrasado documentação de prestação de contas ao Tribunal. O caso, porém, traz
uma curiosidade: Simone poderá concorrer novamente.
TSE mantém indeferimento de prefeita eleita de Caridade e determina
novas eleições para a cidade
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve, por unanimidade, o
indeferimento do registro de candidatura de Simone Tavares (PDT) para o cargo
de prefeita de Caridade. Com a decisão, Simone, apesar de ter sido a candidata
mais votada, não pode ser diplomada nem assumir. A Corte ainda determinou a
convocação de novas eleições para a cidade.
Em 2012, ela conseguiu, junto ao TCE/CE, liminar que suspendia os efeitos do
acórdão que rejeitou as contas, decisão essa que foi revogada em setembro de
2015, quando faltavam 5 anos e 5 meses para o término do prazo de
inelegibilidade. A restrição, portanto, chega ao fim exatamente neste mês, e
Simone estará apta a ter o nome escolhidos nas urnas em qualquer data que seja
definida pelo TRE-CE.
Histórico recente
Após as eleições de 2016, o Ceará teve nove eleições suplementares:
Tianguá
Umari
Santana do Cariri
Frecheirinha
Croatá
Aracoiaba
Cascavel
Irauçuba
Em Tianguá, onde foram realizados dois pleitos extras, ocorreu caso
semelhante ao que pode haver em Caridade. O atual prefeito, Dr. Luiz (PSD), foi
eleito em 2016 a apenas dois dias do fim do seu prazo de inelegibilidade, por
abuso de poder político e econômico. Ainda assim, acabou cassado.
Voltou ao poder após os vencedores da primeira eleição suplementar
daquele período, José Jaydson (PTB) e Mardes de Oliveira (PP), também terem
sido afastado por abuso de poder político e econômico em campanha. Dr. Luiz foi
eleito em outubro de 2019 na segunda eleição suplementar do período e acabou
reeleito no ano passado.