O g1 teve acesso com exclusividade a
vídeos que mostram a suposta prática. Vigilância Sanitária multou supermercado
por irregularidades e diz que consumir alimentos vencidos pode levar à
internação e até a morte. Extra disse que prática não condiz com o procedimento
da companhia e que vai averiguar imagens para tomar medidas necessárias.
Por Bárbara Muniz Vieira, g1 SP — São
Paulo
Carnes com data de validade vencidas empilhadas no chão do açougue: lavadas antes de serem recolocadas à venda — Foto: Arquivo pessoal
O supermercado Extra Cambuci, na Zona Sul da capital paulista, reembala e
recoloca à venda carnes, frios e embutidos com validade vencida, de acordo com
a denúncia de um ex-funcionário ao g1. Após constatar irregularidades, a
Vigilância Sanitária multou e interditou parcialmente a unidade em agosto.
Na tarde desta terça-feira (7) agentes da Vigilância Sanitária e policiais do
Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) foram ao supermercado. A
2ª Delegacia de Polícia de Saúde Pública vai abrir um inquérito para investigar
o caso.
Questionado, o Extra disse, em nota,
que a prática não condiz com o procedimento da companhia e que vai averiguar
imagens para tomar medidas necessárias. (veja a íntegra da nota abaixo)
Imagens gravadas pelo fatiador de
frios Wellington Pereira da Silva, 34 anos, em agosto deste ano às quais o g1
teve acesso com exclusividade mostram cortes de frango e lombo, peças de
mortadela, presunto, bacon, entre outros, fora da data de validade sendo
retirados da embalagem original, pesados, reembalados e recolocados à venda
(veja vídeo acima).
A Coordenadoria de Vigilância em
Saúde (Covisa), da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), informou que o local é
acompanhado pela Unidade de Vigilância em Saúde (Uvis) Sé desde o dia 17 de
agosto de 2021, quando, por meio da ouvidoria municipal, recebeu uma primeira
denúncia.
"Na ocasião, foram identificadas
irregularidades que resultaram na lavratura de Auto de Infração e Termo de
Interdição Parcial de Estabelecimento. Foi aberto processo administrativo
sanitário para acompanhamento". (leia nota completa abaixo).
Wellington foi demitido em outubro porque, segundo ele, não concordava com a
prática. Funcionários do local que preferem não se identificar afirmam que as
ordens para vender produtos vencidos continua.
Extra diz que investiga caso
O Extra afirmou, por meio de nota,
que a prática não condiz com o procedimento de segurança alimentar da companhia
e que abriu um processo de apuração interna para averiguar as imagens e tomar
as medidas necessárias (leia nota completa abaixo).
De acordo com o fatiador de frios, a
ordem era a de que as carnes fossem lavadas com água antes de serem recolocadas
à venda. No caso dos frios e embutidos, os funcionários eram orientados a abrir
a embalagem original, fatiar os alimentos e recolocá-los à venda no balcão
principal.
Quando o produto é pesado na balança,
é calculada automaticamente uma nova data de validade para ele, como se fosse
novo, segundo o funcionário. Os frios vencidos, por exemplo, iam para uma
bandeja de isopor com data de validade para mais sete dias.
Segundo Wellington, era comum haver
reclamação de clientes que tinham comprado frios e carnes estragados e que
voltavam ao mercado para pedir para trocar o alimento.
Em mesa e paredes sujas, com vassoura
e rodo expostos e sem luvas, funcionário lava cortes de frango — Foto: Arquivo
pessoal/Divulgação
De acordo com a Coordenadoria de
Vigilância Sanitária (Covisa), é expressamente proibido expor para venda e
utilizar produtos com prazos de validade vencidos, sem identificação ou sem o
registro no órgão competente, conforme legislação vigente. Os estabelecimentos
que apresentam irregularidades higiênico-sanitárias são autuados e estão
sujeitos à multa, que pode chegar a R$ 500 mil.
O órgão esclarece que o consumo de
alimentos fora do prazo pode causar intoxicação alimentar, infecções, náuseas,
dores abdominais, vômito, diarreia e infecções que variam de grau de acordo com
o quadro do paciente. Em casos mais graves, pode levar à internação e até a
óbito (leia nota completa abaixo).
Segundo o ex-funcionário, as ordens
para recolocar à venda os produtos começaram em julho deste ano quando a
supervisora direta dele tirou licença-maternidade. A substituta teria adotado a
prática para fazer economia.
“Começaram a me pedir para 'fazer
bandeja' [fatiar e colocar na bandeja de isopor] e colocar no balcão principal
os frios vencidos. Eu falei que não queria fazer essas coisas porque acho
errado com o povo e comigo mesmo, que também sou consumidor. Pedi para ser
transferido ou ser mandado embora, mas não queriam me transferir."
"Na segunda vez que me pediram
isso foi a mesma coisa. Falei que não queria fazer, que se eu soubesse que esse
mercado era assim eu não teria ido trabalhar lá. Mas se você não fizer o que
eles pedem, você toma advertência e depois suspensão. Você é obrigado. Todo
mundo que está lá é pai de família, trabalhador. Se não fizer isso, perde o
emprego. Fui mandado embora por não estar fazendo isso”, conta ele.
De acordo com Wellington, ele foi
demitido no dia 18 de outubro e até segunda-feira (6) o supermercado não tinha
liberado a documentação necessária para ele entrar com o pedido de
seguro-desemprego e sacar o Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço. (FGTS).
“A supervisora me dizia ‘Se você não
fizer eu vou te dar uma advertência de que você está se negando a trabalhar.’
Queriam me dar justa causa porque eu não queria fazer. Eu falei com eles que eu
não queria ficar lá, que ali é muita sujeira com o povo, que eu não tinha
vontade nenhuma de trabalhar lá. Minha mãe me ensinou a nunca fazer coisa
errada na vida, vou fazer coisa errada para os outros?”
Após ter sido acionado pelo g1, o
Extra entrou em contato com o ex-funcionário e a homologação da demissão foi
feita na terça-feira (7). De acordo com a mãe de Wellington, o supermercado
queria fazer um acordo para que ele não divulgasse as imagens, mas ele se
negou. O supermercado não se posicionou sobre a demissão.
Wellington conta que chegou a
denunciar o supermercado para a Vigilância Sanitária. O órgão confirma pelo
menos uma denúncia, do dia 17 de setembro. Wellington conta que, nesta ocasião,
enquanto o gerente e a chefe de recursos humanos conversavam com os agentes, a
supervisora dele correu até a seção de frios, pegou os produtos vencidos, deu
baixa no sistema e desceu com os produtos para o lixo, prática conhecida no
meio como “pique”.
Depois que os agentes foram embora,
ele conta que a supervisora teria recolocado os produtos para a venda.
“Denunciei sem eles saberem para a
Vigilância Sanitária duas vezes. Fui eu. Mas quando eles chegaram lá, o gerente
e a chefe de recursos humanos ficaram conversando com eles [os agentes] e
enrolando por uns quinze minutos enquanto a supervisora correu lá para esconder
o que estava vencido. Ela colocou no pique e desceu correndo. Parece que deu
baixa no sistema e jogou fora, mas depois que eles foram embora ela foi lá,
pegou e colocou de novo para vender. Não acharam nada porque esconderam as
caixas”, conta
De acordo com o ex-funcionário,
sempre que havia produtos vencidos, a ordem de retirar da embalagem original,
fatiar e colocar no balcão principal era renovada.
“Eles mandavam fazer e refazer.
Vencia o produto, eles mandavam abrir o pacote, tirar o produto, fatiar e
colocar nas bandejas de isopor. Quando você pesa para colocar nas bandejas, a
balança cria uma nova data de validade do produto, como se ele fosse novo, com
sete dias para a frente de validade. Aí se ficava lá e vencia, eles mandavam
fazer a mesma coisa de novo”, afirma.
Ele também conta que as condições de
higiene no açougue eram precárias. Nas imagens gravadas por ele, é possível ver
o local alagado. Mesas e paredes sujas e emboloradas também aparecem no vídeo
acima.
“Estourou uma boca de lobo no açougue
e ficou três semanas alagado lá dentro e todo mundo trabalhando normalmente”,
relembra.
O que diz o Extra
Em nota, o Extra disse que "as
imagens exibidas nos vídeos correspondem a uma situação pontual de defeito hidráulico
que foi reparado no mesmo dia e que não corresponde à situação atual da loja, o
que foi inclusive atestado em vistoria recente da Vigilância Sanitária."
Sobre a menção à possível manipulação
de produtos impróprios, a rede informa que "tal ato não condiz com o
procedimento rigoroso de segurança alimentar da companhia, que determina que os
produtos devem ser descartados assim que atingem a data de validade informada
pelo fabricante. A rede esclarece, também, que abriu um processo de apuração
interna para averiguar as imagens e tomar as medidas necessárias."
O que diz a Vigilância Sanitária:
Primeira nota:
"A Prefeitura de São Paulo, por
meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), da Secretaria Municipal
da Saúde (SMS), informa que o local é acompanhado pela Unidade de Vigilância em
Saúde (Uvis) Sé desde o dia 17 de agosto de 2021, quando, por meio da ouvidoria
municipal, recebeu uma denúncia.
Na ocasião, foram identificadas
irregularidades que resultaram na lavratura de Auto de Infração e Termo de
Interdição Parcial de Estabelecimento. Foi aberto processo administrativo
sanitário para acompanhamento. Em 27 de setembro foi realizada nova vistoria e
constatada a correção das irregularidades. Assim, o local foi desinterditado.
O estabelecimento segue sem
monitoramento pela equipe de vigilância local. Foi inspecionado novamente em 15
de outubro e 7 de dezembro de 2021."
Segunda nota:
"A Secretaria Municipal da Saúde
(SMS), por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), informa que
os estabelecimentos que apresentam irregularidades higiênico-sanitárias são
autuados e estão sujeitos às penalidades previstas em lei, conforme prevê o
Código Sanitário do município (Lei Municipal 13.725/04).
A SMS ressalta que é expressamente
proibido expor para venda e utilizar produtos com prazos de validade vencidos,
sem identificação ou sem o registro no órgão competente, conforme legislação
vigente. Assim também como, expor para venda e utilizar alimentos com
embalagens violadas, estufadas, rasgadas, furadas, amassadas ou enferrujadas,
bem como aquelas que apresentem sujidades que possam comprometer a qualidade do
produto.
Além disso, a Lei também proíbe expor
para venda alimentos que apresentem sinais de descongelamento ou
recongelamento, tais como: amolecimento ou deformação dos produtos, embalagens
molhadas, com camada de gelo, acúmulo de líquidos ou cristais de gelo, entre
outros.
O consumidor deverá observar a data de validade dos produtos em suas
embalagens, as recomendações dos fabricantes quanto à conservação e manipulação
e a integridade das embalagens ao adquirir produtos já embalados e não consumir
se estiver fora do prazo de validade ou se estiver com alterações das
características sensoriais como cor, aparência, odor, textura.
As orientações relacionadas à
ingestão de alimentos e água contaminados encontram-se no site.
Os alimentos comercializados devem
estar com a embalagem íntegra e rótulo legível, dentro da data de validade,
apresentar o número de registro no órgão oficial, quando obrigatório e
identificação de origem: razão social e endereço do fabricante, do distribuidor
quando proprietário da marca e do importador, para alimentos importados,
apresentar características sensoriais como cor, aparência, odor, textura sem
alterações e estarem armazenados na temperatura recomendada pelo fabricante.
Aqueles que pertencem às cadeias
frias devem ser dispostos de forma organizada, sem sobreposições, em
recipientes de tamanhos compatíveis com as dimensões dos equipamentos e de
forma que as temperaturas indicadas para a conservação dos alimentos sejam
mantidas em todas as partes dos produtos. Caso os produtos não atendam a todos
estes requisitos, devem ser descartados.
A Secretaria Municipal de Saúde, por
meio do Núcleo de Vigilância de Alimentos, informa que, quando o fabricante dos
alimentos estabelece um prazo de validade para seu produto, ele se compromete
legalmente e assume a responsabilidade de que dentro daquele período o produto
não oferece risco aos consumidores.
A desobediência ou a inobservância ao
disposto nas normas legais e regulamentos, considera-se infração sanitária e o
estabelecimento estará sujeito às penalidades previstas no art. 118 da Lei
Municipal 13.725/2004 - Código Sanitário do Município de São Paulo:
I. advertência;
II. prestação de serviços à
comunidade;
III. multa de R$ 100,00 (cem reais) a
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);
IV. apreensão de produtos,
equipamentos, utensílios e recipientes;
V. apreensão de animal;
VI. interdição de produtos,
equipamentos, utensílios e recipientes;
VII. inutilização de produtos,
equipamentos, utensílios e recipientes;
VIII. suspensão de venda de produto;
IX. suspensão de fabricação de
produto;
X. interdição parcial ou total do
estabelecimento, seções, dependências e veículos;
XI. proibição de propaganda;
XII. cancelamento de autorização para
funcionamento de empresa;
XIII. cancelamento do cadastro do
estabelecimento e do veículo;
XIV. intervenção.
O órgão esclarece que o consumo de
alimentos fora do prazo pode causar intoxicação alimentar, infecções, náuseas,
dores abdominais, vômito, diarreia e infecções que variam de grau de acordo com
o quadro do paciente. Em casos mais graves pode levar a internação e até a
óbito."