“A fome está batendo nas nossas portas”.
POR RAÍSSA EBRAHIM EM 30/10/2019
(crédito: Inês
Campelo/MZ Conteúdo)
“A fome está
batendo nas nossas portas”. Laurineide Santana, do Conselho Pastoral dos
Pescadores (CPP), subiu ao microfone da audiência pública desta quarta-feira
(30) sobre o vazamento de óleo na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe)
para relatar a difícil situação de milhares de famílias pesqueiras que estão
sem ter de onde tirar o sustento, mas permanecem invisibilizadas pelo poder
público. Sem conseguir vender, muitas estão há dias sem ir ao mar. Pescar para
quê, se ninguém vai comprar?
Enquanto convivem
com o peso da omissão, homens e mulheres estão com medo de não conseguirem mais
viver da atividade pesqueira, com séculos de tradição repassada de geração a
geração. Pouco adianta correr para outra ocupação porque a situação do
desemprego não deixa. A única iniciativa de auxílio oferecida até o momento foi
a antecipação do seguro defeso, que, em Pernambuco, só vale para quem pesca
lagosta. Hoje, faz exatamente 60 dias que as primeiras manchas de óleo
apareceram, na Paraíba, e as soluções seguem sem previsão.
Metade do auditório
principal da Alepe estava ocupada por pescadores e marisqueiras diante da mesa
formada por políticos e representantes de órgãos públicos. Ninguém da sociedade
civil foi chamado para compor a mesa. Foi preciso que uma pessoa da plateia
chamasse a atenção para a absurda falta de representatividade, só então
Laurineide foi convocada. Essa contextualização dá o tom da importância do
grito das famílias pesqueiras.
“A gente não quer
esmola, a gente quer os direitos que a gente tem, de viver e comer bem, de
comer vivendo. Mas estamos sendo abandonados”, gritou alguém na plateia
enquanto era a vez de Laurineide discursar. “Queremos discutir como o estado de
Pernambuco vai estar junto com os pescadores e as pescadoras para definir quais
serão as políticas públicas para que a fome não aumente. Porque, só agora, é
que vocês vão sentir o peso que a pesca artesanal tem na economia do estado,
que é invisível, porque não tem estatística pesqueira, porque não entra na
divisa”, cobrou Laurineide.
Laurineide Santana,
da Coselho Pastoral dos Pescadores, reivindica auxílio aos pescadores e às
marisqueiras (crédito: Raíssa Ebrahim/MZ Conteúdo)
Mesmo onde o dano
ambiental não chegou, o dano social já se faz presente. Regiane Maria da Silva
tem 42 anos, vive da pesca desde os 16, é mãe solteira e tem duas filhas para
sustentar. O freezer dela está com 50 quilos de marisco estocados porque não
tem quem compre. Cada quilo é vendido por R$ 20,00. São R$ 1 mil do orçamento
da família congelados. Paula Cassemiro saiu no fim de semana carregando 30
quilos de marisco do Conjunto Beira-Mar, no Janga, até Rio Doce, em Olinda, e,
no percurso de cerca de 6 quilômetros, conseguiu vender apenas um quilo.
Regiane e Paula coletam em Mangue Seco, litoral norte, que nem chegou a ser
atingido. Mas fica bem próximo a Maria Farinha, onde as manchas de óleos
chegaram.
O Canal de Santa
Cruz, em Itapissuma, também no litoral norte, local de origem da maioria das
ostras comercializadas na Região Metropolitana do Recife, não chegou a ser
atingido, mas as vendas também estão impactadas. São cerca de 1,2 mil ostreiros
cadastrados, mas quem vende em Boa Viagem só tem conseguido comercializar, em
média, duas rodadas por dia. Os baldes estão voltando cheios para casa.
Gicleia Maria da
Silva, presidenta da Colônia de Pescadores de Gaibu, no Cabo de Santo
Agostinho, litoral sul, explica que a antecipação do defeso da lagosta, concedido
pelo governo federal, foi único auxílio apresentado até o momento, mas é
insuficiente porque atende uma parcela pequena dos pescadores. Dos cerca de 500
pescadores e pescadoras cadastrados na colônia, apenas 15 trabalham com pesca
da lagosta, em três embarcações.
“E olhe que é
apenas uma antecipação. Em vez de começarem a pagar em dezembro, disseram que
vão pagar em novembro. Não é uma parcela a mais”, reclama. Ela detalha ainda
que a Prefeitura do Cabo tem feito o recadastramento de todos que trabalham com
a pesca, para que o dinheiro federal possa ser distribuído um dia, quando
chegar, se chegar. O prefeito da cidade, Lula Cabral, que reassumiu, com
tornozeleira eletrônica, o mandato este mês, quase um ano após ser preso
acusado de desviar de R$ 92 milhões, foi vaiado por boa parte da plateia e
deixou a audiência, sem qualquer explicação, pouco antes de o microfone ser
aberto às falas da sociedade civil.
“A situação do
mangue está séria. A financeira, eu nem falo. Como vou fazer para pagar a
escola das minhas duas filhas e comprar a alimentação do mês que vem? E as
minhas vizinhas que têm três filhos?”, questiona Valéria Maria de Alcântara, 37
anos, que cresceu vivendo a tradição pesqueira da família na praia de Suape.
Ela comenta que, há cerca de 10 anos, o Governo Federal não emite novas
carteiras de pescador e pescadora, o que aumenta ainda mais o receio de um
possível auxílio não chegar a quem de fato precisa por não constar do cadastro
oficial. “A prova é que na minha saiu uma informação errada e eu nunca consegui
ajeitar”.
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