Menina revelou os abusos, iniciados
em 2014, após assistir a um vídeo educativo na escola e perceber a violência
sexual. Casal nega crime.
Por Messias Borges, G1 CE
Delegacia de Combate à Exploração da
Criança e do Adolescente investiga estupro contra criança em Fortaleza — Foto:
Paulo Sadat/SVMDelegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente
investiga estupro contra criança em Fortaleza — Foto: Paulo Sadat/SVM
O coronel da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Jaime de Paula Pessoa Neto, de 53
anos, e a namorada dele, a universitária Lorena Bezerra de Melo, 37, foram
acusados pelo crime de estupro de vulnerável contra uma criança de 11 anos,
familiar da mulher (o grau de parentesco não será revelado para não identificar
a vítima). Os crimes aconteceriam desde 2014, em Fortaleza, quando a menina
tinha seis anos, mas foram denunciados apenas em maio deste ano. O processo
corre sob sigilo de Justiça.
No dia 1º de novembro, a 12ª Vara
Criminal da Comarca de Fortaleza confirmou o recebimento da denúncia do
Ministério Público do Ceará (MPCE) contra o casal e marcou a primeira audiência
do processo na Justiça para 23 de março de 2020.
Documentos obtidos pelo G1 mostram
que o caso foi denunciado pela mãe da garota, na Delegacia de Combate à
Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), em 10 de maio de 2019. As
defesas dos réus negam os crimes e alegam que a mãe da menina inventou a
história, após ser ameaçada de perder a guarda da criança.
Segundo o boletim de ocorrência, a
menina revelou aos parentes ter sofrido abuso sexual após assistir a um vídeo
educativo na escola e perceber o que havia ocorrido com ela. A garota contou
detalhes dos atos, que muitas vezes eram acompanhados de filmes pornográficos
na TV. Segundo o relato, a vítima apresentou tumores e manchas brancas nos
órgãos genitais, meses antes da denúncia.
Em depoimento à Polícia Civil em 13
de maio deste ano, a criança disse que o casal fazia sexo na sua frente e
também a tocava. "Disse que o coronel sempre pedia para ela que não
contasse nada para ninguém, dizendo-lhe o seguinte: 'Você é só minha! Isso é só
meu!'", descreve o termo de declaração da vítima, que acrescenta que o
militar tinha o costume de presentear a menina e de dar dinheiro para a
namorada comprar presentes para a garota no shopping.
Os exames realizados pela Perícia
Forense do Ceará (Pefoce) no corpo da vítima não encontraram esperma e
atestaram que a membrana himenal e o ânus da criança estavam íntegros. Apesar
dos resultados, a Polícia Civil indiciou o coronel Jaime Neto e Lorena de Melo,
em 9 de setembro.
"Insta assinalar que a não
constatação de vestígios não exclui a ocorrência de violência sexual, mormente
pelo fato dos crimes contra a dignidade sexual serem praticados, via de regra,
de forma extremamente efêmera e na clandestinidade, longe de eventuais
testemunhas e sob ameaça ou recompensa da perpetuação do sigilo", considera
o relatório final do inquérito policial.
Em outro trecho, os investigadores
concluem que "a pouca idade da vítima, ao revés de diminuir a força
probatória dos seus relatos, presta-se para trazer ainda mais credibilidade às
suas declarações, porquanto descrevem fatos que não guardam relação com a
compreensão sadia de mundo infantil".
Alegações da defesa
Ao ser interrogado pela Polícia
Civil, o coronel contou que Lorena se tornou sua namorada apenas em março de
2019. Quanto à menina, somente no fim do ano passado ela teria passado a
frequentar sua residência. O oficial acrescentou que tem uma filha adolescente
e que se acostumou a conviver com outras crianças, familiares de
ex-companheiras, sem denúncias anteriores.
Já a universitária acusada afirmou
que passava os fins de semana com a menina e a levava para a casa do namorado
porque a mãe da criança a abandonava sozinha em casa, inclusive sem
alimentação. Ela acrescentou que já havia cobrado da mãe da menina sobre a situação
e pensava em pedir a guarda da criança na Justiça, o que motivou a mulher a
realizar "falsas acusações" contra o casal.
Os advogados de defesa foram
procurados e não responderam sobre as acusações. No processo, os advogados
Leandro Vasques, Holanda Segundo, Afonso Belarmino e Gabrielle de Melo, que
representam o coronel, alegam que a mãe da vítima prestou depoimentos que
trazem "versões incongruentes entre si e em clara contradição em relação
àquelas aventadas pelas testemunhas".
Já os advogados Mateus Henrique
Rodrigues Araújo e Wyllerson Matias Alves de Lima, defensores da universitária,
afirmam que "jamais houve qualquer tipo de conduta inadequada da
requerente e da pessoa de Jaime (...) muito menos qualquer odioso ato de abuso
sexual". Conforme a defesa, a criança "foi induzida pela mãe para
inventar as malfadadas acusações".
Denúncia aceita
O Ministério Público apresentou a
denúncia à Justiça Estadual no dia 24 de setembro deste ano e rebate a versão
da defesa dos réus: "inexiste, nos autos, prova minimamente razoável de
que a mãe da vítima possuía motivos para engendrar comunicação falsa de
crime". O órgão informou ao G1 que não pode se pronunciar sobre o processo
por envolver violência sexual praticada contra vulnerável.
A acusação foi aceita pela 12ª Vara
Criminal dois dias depois e confirmada no início de novembro deste ano.
"Entendo que a denúncia apresentada pelo representante do Ministério
Público, na presente ação penal, narra de forma satisfatória os detalhes, os
fatos referentes à suposta ação criminosa e o modus operandi dos denunciados,
não se vislumbrando razões pelas quais seria a denúncia inepta", considera
a juíza responsável pela Vara.
"Claramente, trata-se de uma
ação penal de extrema complexidade e vejo como medida indispensável a produção
de provas em Juízo, especialmente a oitiva da infante", conclui a
magistrada.
Reserva Remunerada
O coronel Jaime Neto informou à
Polícia Civil que está nos quadros da Polícia Militar do Ceará há 34 anos e que
é um "militar vocacionado". De acordo com publicações do Diário
Oficial do Estado (DOE), o PM já foi comandante de um Batalhão da Polícia
Militar em Fortaleza, trabalhou na segurança da presidência do Tribunal de
Justiça do Ceará (TJCE), foi chefe da Coordenadoria de Defesa Social, da
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), e esteve na Casa
Militar do Governo do Estado.
Na Casa Militar, o réu chefiou a
Unidade Militar da Vice-Governadoria, entre julho de 2018 e junho de 2019 - um
mês após o início das investigações por estupro de vulnerável. Antes, em março
deste ano, o militar foi promovido a coronel. Depois, foi transferido para a
Reserva Remunerada e não está mais exercendo funções na Instituição, segundo a
própria Polícia Militar.
Investigação administrativa
A Controladoria Geral de Disciplina
dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) informou que
“determinou a instauração de Investigação Preliminar para a devida apuração do
fato na seara administrativa, estando esta, atualmente, em andamento. As
investigações possuem caráter reservado”.
A defesa do coronel afirmou, no
processo, que o cliente "apresenta inúmeros destaques em sua trajetória
profissional, ao longo da qual prestou relevantes serviços à nossa Segurança
Pública". E citou um exemplo de um trabalho realizado pelo oficial, em um
Conselho Comunitário, em que "foi solucionado o problema de mais de 50
crianças que se encontravam em situação de risco no Terminal da Lagoa, com o
cadastramento, localização dos pais, fornecimento de alimentação e
encaminhamento a abrigos".
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